terça-feira, 17 de agosto de 2010

O EXAME DA OAB



Vladimir Carvalho, juiz federal, diz que, mesmo com 32 anos de magistratura, seria reprovado no Exame da OAB

Vladimir Souza Carvalho

Leio, em Eça de Queiroz: “Eu, por causa da maciça e indebastável ignorância de bacharel, com que saí do ventre de Coimbra, minha mãe espiritual”, (do conto Civilização). Também em Machado de Assis: “Vinha cheirando ainda aos cueiros da academia, meio estudante e meio doutor, aliando em si, como em idade de transição, o estouvamento de um com a dignidade do outro” (A mão e a luva).

Pois bem. Quando me formei, já em época diferente da dos tempos de Eça e de Machado, também sai ignorante dos cueiros da Faculdade de Direito de Sergipe, situação que continuou e continua, independentemente da faculdade ser sergipana ou de centro maior do país, ou de estarmos a viver tempos modernos. Ninguém sai doutor. A bagagem portada é indicativa de caminhos que devem ser tomados quando o problema, na via prática, se forma. Com o diploma na mão e no exercício de uma profissão, dentro do círculo de atuação escolhido, se vai praticando e aprendendo, aprendendo e praticando, pelo resto da vida. Hoje, na véspera de trinta e sete anos de formado, estou ainda a aprender, com os mais velhos e com os mais novos, diariamente, em cada processo de que sou relator e em cada feito do qual participo, na turma e no pleno.

A Ordem dos Advogados do Brasil, contudo, encara o formado como douto. Não é nem como doutor. É como especialista, não em uma matéria, mas em todas, invariavelmente em todas, ao exigir a aprovação em prova objetiva elaborada para passar a paulada na grande maioria dos bacharéis. E o pior é que as pessoas, que comandam tal tarefa – quase dizia fuzilamento – não se submeteram a tal prova, e, com todo o respeito devido, se tivessem feito, ou se fossem fazer (não é desafio, é realidade), não seriam aprovadas. E ao assim afirmar, não estou ofendendo o cabedal de conhecimento de nenhum membro da diretoria da OAB, seja regional ou nacional, porque eu, apesar de ser membro de um tribunal, com trinta e dois anos de exercício na magistratura, também seria reprovado.

Tem mais: a prova não é nem elaborada pela OAB, mas por ente, geralmente uma fundação, por ela contratada. Ou seja, o exame da OAB é feito por terceiros, porque a OAB não redige a prova (e por que não é a OAB?). Se a prova se integra naquilo que a lei da OAB chama de exame da Ordem, é um terceiro, constituído de pessoas sem a experiência das lides forenses, que vai formular as perguntas, colorindo cada uma de casca de banana, para o candidato escorregar, explorando matérias sem nenhuma conexão prática, e, ainda mais satânico, exigindo do recém formado um cabedal de conhecimentos que só mais tarde, dedicando-se a uma advocacia generalizada e abrangente, poderia obter. Poderia. Ademais, a objetividade da prova, por se cuidar de teóricos, especialistas em formulação de quesitos apenas, sem a experiência prática da lide forense, se perde na falta de objetividade. Em miúdos, a prova, que deveria ser objetiva, objetiva não é.

Se o teste é da OAB, se o teste visa, pelo menos, no plano teórico, a obter os conhecimentos do formado que deseja se inscrever nos seus quadros e poder atuar na profissão, como advogado, deveria a OAB, levando em conta as nuances da profissão, a redigir a prova, a reclamar conhecimentos fundamentais e não extraordinários. Das últimas que vi, por força de feitos que passaram em minhas mãos, fiquei perplexo com o nível de perguntas. Pontes de Miranda e Nelson Hungria acertariam as questões constitucionais e penais, respectivamente. Mas, perderiam nas demais, porque os quesitos são formulados para não serem respondidas, e, ademais, não se conhece, na história forense, o profissional, por melhor que seja, dominar todas as matérias, absolutamente todas, simultaneamente.

O teste da OAB mostra a existência de duas realidades, que se chocam. A primeira, que os dirigentes da OAB viveram quando se formaram e foram a luta, na qual o recém formado sai ignorante dos cueiros da academia, e, vai aprendendo aos poucos. Quem escapar dessa linha é sábio, é gênio, e aí foge à rotina. A segunda, é a irreal, ou virtual, onde se pensa que o recém formando deve saber, a fundo, de tudo e de todas as matérias. Não sei como qualificar essa visão.

Dou um exemplo, vivido por mim. Apesar de ter sido juiz de direito por seis anos e juiz federal por vinte e três, atuando em duas comarcas e substituindo outras, e, depois, em três estados, estando, no momento, em um tribunal com jurisdição em seis estados, relatando processos criminais e participando de julgamento destes na turma e no pleno, eu nunca vi, na minha mesa, um processo criminal focalizando um delito de concussão. Nunca. Sou capaz de apostar que me aposento e não vou lidar com a concussão. No entanto, num destes testes, estava lá uma pergunta atinente às características do crime de concussão.

Se há algo de podre no reino da Dinamarca, há algo de estranho, de profundamente estranho, nas provas da OAB, algo que precisa ser revisto, porque, da mesma forma que os marinheiros se forjam no mar, como diria Machado de Assis, o advogado se forja é no foro, na atuação nos feitos, e não na resposta a perguntas de bolso, formuladas por quem nunca pisou no foro, nem nunca viu um processo ou participou de uma audiência.


FONTE: nenoticias

3 comentários:

  1. Show de bola.

    Acredito no exame de ordem, mas este deveria ser aplicado à todos os bacharéis que pretendem advogar e aos advogados que já estão em exercício. Gostaria de ver o índice de aprovação dos advogados, em relação aos bacharéis, principalmente os ditos diretores de seções, subseções e etc.

    Além do comentário, vejo que este blogueiro, assim como eu, além de se perder nos caminhos do direito gosta de um óleo 2T queimado ao som de seu Parilla.

    Abraços

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  2. SOU CONTRA O EXAME DE ORDEM POR COMPLETO, PORQUE NÃO ME PASSA PELA CABEÇA QUE ALGUÉM QUE JUROU DEFENDER A CONSTITUIÇÃO FEDERAL QUANDO COLOU GRAU, COMETA ESSA BARBARIDADE AO DEFENDER UM EXAME INCONSTITUCIONAL QUE FERE AS MAIS ELEMENTARES REGRAS DO DIREITO E JUSTAMENTE CONTRA SEUS PRÓPRIOS COLEGAS, TUDO ISSO APENAS POR DINHEIRO, ONDE UMA MEIA DUZIA DOS QUE SE DIZEM ADVOGADOS E QUE NÃO CONSEGUEM SOBREVIVER DA PROFISSÃO MONTAM CURSINHOS PARA TOMAR DINHEIRO DOS BACHAREIS EM DIREITO E ARRECADA MAIS DE DEZ MILHÕES DE REAIS COM AS TAXAS DOS EXAMES, ONDE 90% REPROVAM.
    É A MAIOR CANALHICE DE TODOS OS TEMPOS, INDEFENSÁVEL.
    ELIZIO BRITES
    BEL EM DIREITO

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